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adolescência > > um broto poema

 

 

Entre a rua 

E a entrada da casa 

Recua

Um jardim verde, conflito-confuso 

longa pausa 

entre o ruído da cidade 

[fera que se agita e grita] 

e o aconchego do velho berço

[primordial laço, abrigo-abraço]:

a casa onde a gente se começa, 

e nasce.

 

 

Entre a vida adulta

E a era em que a gente era 

só um faz de conta.

 

 

Entre as eras debruçadas sobre o muro, 

e tenra trepadeira 

a brincadeira bela e bruta,

época de nós-verde folhagem 

esse ser da latência 

e da aventura um tanto sozinha

e cega 

que é a adolescência

 

tempo da pergunta

sem resposta. 

 

 

corpo que desajeitado, crescem 

fio de barba que espeta, coça

e a febre 

ferve nó no peito,

turbilhão, misto de angústia e estranho desejo:

é a puberdade que da gente troça.

 

 

debaixo da imensa árvore-vida 

brota a sombra de toda dúvida 

pergunta doída 

de ser moço, 

moça

ou só uma criança crescida

um quase adulto,

na cabeça, essa vertiginosa dança.  

 

 

Adolescente, gente pequena e grande

sendo assim desse jeito, num mesmo corpo, 

homem, mulher, bicho e criança.

festa de Netuno

 

deitado sobre seixos, em bancos de areia 

pés em riste, dedos tristes

ressecados ao sol

a acenar à ressaca do mar, 

essa sua pele morena 

você, um morto de conchas nas costas

 

Chora tua morte, a lua, essa velha amante

e tua leal prostituta.

 

Discos de areia afundam

sob teu peso silencioso

e circundam, teu ainda inteiro contorno.  

 

Uma alga afaga teu rijo pescoço

se enrosca às barbas 

e se entranha aos desejos cortantes,

de tua face, 

pura desordem.

 

 

Filho do sol

e de uma mãe que é poeira de estrelas antigas

você foi a loucura que queima e teima, 

um cego mergulhado em orgulho e vaidade

sem idade

dono de insana vontade: 

ser faísca e fagulha. 

 

 

Dorme agora sob o encantamento  

de Netuno,

um sono mais velho do mundo. 

Nina tua morte, esse monstro medonho

que com seu canto, convoca escravos

e arranja preparos 

para uma longa festa

viagem sem volta 

por túneis subterrâneos

do obscuro oceano. 

 

 

Deitado, você é o que te resta:

revirado por tempestades,

ventre vazio 

pele arranhada em anzóis e ganchos,

retorna, agora, homem-peixe

com fome e sem um nome, 

é Netuno quem te devolve ao dia,

como hóspede indesejado 

te vomita pele e pelos, 

de seu país marejado. 

 

Jaz teu corpo inteiro

sem memória 

e, nele, ao invés de sangue

correm fios de águas frias

sonhos de piratas e tesouros. 

 

Você é de si 

agora tua própria miragem: 

misto de homem peixe e serpente

bêbado de música,

eco de Netuno

que sob um trono sentado

como quem se vê  

ri ao seu lado. 

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