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:::verso prosa & silêncio:::
escritos e edição de Natália Nolli Sasso
adolescência > > um broto poema
Entre a rua
E a entrada da casa
Recua
Um jardim verde, conflito-confuso
longa pausa
entre o ruído da cidade
[fera que se agita e grita]
e o aconchego do velho berço
[primordial laço, abrigo-abraço]:
a casa onde a gente se começa,
e nasce.
Entre a vida adulta
E a era em que a gente era
só um faz de conta.
Entre as eras debruçadas sobre o muro,
e tenra trepadeira
a brincadeira bela e bruta,
época de nós-verde folhagem
esse ser da latência
e da aventura um tanto sozinha
e cega
que é a adolescência
tempo da pergunta
sem resposta.
corpo que desajeitado, crescem
fio de barba que espeta, coça
e a febre
ferve nó no peito,
turbilhão, misto de angústia e estranho desejo:
é a puberdade que da gente troça.
debaixo da imensa árvore-vida
brota a sombra de toda dúvida
pergunta doída
de ser moço,
moça
ou só uma criança crescida
um quase adulto,
na cabeça, essa vertiginosa dança.
Adolescente, gente pequena e grande
sendo assim desse jeito, num mesmo corpo,
homem, mulher, bicho e criança.
festa de Netuno
deitado sobre seixos, em bancos de areia
pés em riste, dedos tristes
ressecados ao sol
a acenar à ressaca do mar,
essa sua pele morena
você, um morto de conchas nas costas
Chora tua morte, a lua, essa velha amante
e tua leal prostituta.
Discos de areia afundam
sob teu peso silencioso
e circundam, teu ainda inteiro contorno.
Uma alga afaga teu rijo pescoço
se enrosca às barbas
e se entranha aos desejos cortantes,
de tua face,
pura desordem.
Filho do sol
e de uma mãe que é poeira de estrelas antigas
você foi a loucura que queima e teima,
um cego mergulhado em orgulho e vaidade
sem idade
dono de insana vontade:
ser faísca e fagulha.
Dorme agora sob o encantamento
de Netuno,
um sono mais velho do mundo.
Nina tua morte, esse monstro medonho
que com seu canto, convoca escravos
e arranja preparos
para uma longa festa
viagem sem volta
por túneis subterrâneos
do obscuro oceano.
Deitado, você é o que te resta:
revirado por tempestades,
ventre vazio
pele arranhada em anzóis e ganchos,
retorna, agora, homem-peixe
com fome e sem um nome,
é Netuno quem te devolve ao dia,
como hóspede indesejado
te vomita pele e pelos,
de seu país marejado.
Jaz teu corpo inteiro
sem memória
e, nele, ao invés de sangue
correm fios de águas frias
sonhos de piratas e tesouros.
Você é de si
agora tua própria miragem:
misto de homem peixe e serpente
bêbado de música,
eco de Netuno
que sob um trono sentado
como quem se vê
ri ao seu lado.