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sumiço e hospício de mim 

me esqueça num fundo de panela
me deixe de molho por um ano
 

me coloque em segundo plano
 

me entregue a um desconhecido

no último vagão do trem suburbano

enrolada numa trouxa de pano
enfeitada com  laço de seda
amassada
embrulhada
amordaçada

coberta em velho tecido.

 

me abandone ao lado de fotos de família,

sobre teu  piano

me esqueça

e desbote

limpe vez ou outra

com peroba e flanela

me fite só por engano.


 

me jogue pela janela

em sigiloso assassinato,
frio ato
de um amador
iniciante bandido

(reclame minha morte ao cupido)

 


ou me afogue em tuas lembranças,
trancada numa gaveta

jogue as chaves

me trave

com cartas, cordas

e tranças.

 

 

me sonhe temível feiticeira, louca criança

sedutora ninfeta

traidora companheira.


ou me torture com palavras ácidas
me mergulhe na banheira:

jogue sais

faça bolhas de sabão

mandingas

mágicas

me faça escrava

sereia, 

peixe,

baleia.

 


me sirva numa bandeja,

com batatas assadas e cereja

antes

me asse

me esquarteje numa travessa,

sem pressa,

jogue molho

misture cebola e sardela,

tempere a gosto,

brinde com cerveja

e bom almoço!

 

 

por fim, me mate de solidão

me reze numa novena

me enterre no seu coração

maldiga meus modos,

maneiras

seja vil, infame

e vá pra longe,

onde de mim,

nem notícias

fotos

ventos

cheiros ou pequenos sofrimentos.

 

decrete, então

meu sumiço

marque missa,

espalhe cartazes

vista negro

longo luto

finja choros,

acenda velas

enterre meus tesouros

se interne em casa

mudo

ou vá para um hospício

por tempo indefinido.

 

 

 

 

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